segunda-feira, 30 de junho de 2008

Informe da Sociedade Civil para a VI Conferência Estadual de Direitos Humanos de SP

Informe da Sociedade Civil para a VI Conferência Estadual de Direitos Humanos de SP

I – Apresentação

Este informe tem por objetivo oferecer uma contribuição das entidades da sociedade
civil para estimular o debate sobre os direitos humanos que ocorrerá na VI Conferência Estadual de Direitos Humanos, preparatória para a XI Conferência
Nacional de Direitos Humanos.

Em que pesem as diferenças regionais apresentadas no estado de São Paulo,optou-se por estruturar este Informe por segmentos e temas, a partir de contribuições enviadas por entidades, movimentos e fóruns da sociedade civil, como resposta a uma carta aberta de mobilização divulgada pelos representantes da sociedade civil na Comissão Organizadora da VI Conferência Estadual de Direitos Humanos.

Partiu das seguintes entidades a iniciativa de elaboração deste Informe: B'nai B’rith
Associação Beneficente e Cultural do Brasil – SP; Fórum de Mulheres Negras do Estado do Estado de São Paulo; Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; Fórum Paulista de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBTT); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST);Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH); Movimento Negro Unificado (MNU); Rede da Juventude Pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA); e Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo.

Até o fechamento deste Informe, recebemos textos e dados das seguintes entidades, movimentos e fóruns: Associação Nacional de Pós-Graduandos; B’nai B’rith; Brasil para Todos; Centro de Defesa de Direitos Humanos de Campinas;Centro Santo Dias de Direitos Humanos; Fórum Paulista GLBTT; Geledés – Instituto da Mulher Negra; Instituto Pólis; Movimento Negro Unificado; Movimento Social de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; e Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Embora não tenham enviado contribuições escritas, participaram também, em algum momento do processo de construção deste Informe, as seguintes entidades:Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP-SP); Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOSP); Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Cáritas-SP; Centro de Estudos

das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT); Comissão Brasileira de Justiça e Paz; Conselho Regional de Psicologia – SP; Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN/SP); Intersindical; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC); Jornal A Nova Democracia; Observatório das Violências Policiais (OVP-SP);Paróquia Imaculada Conceição e Pastoral da Mulher Marginalizada.

Para alguns segmentos e temas foram utilizados dados apresentados nos relatórios da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, da Anistia Internacional, do Relatório
Alternativo de Monitoramento da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher do Brasil e do Contra-Informe Pidesc. Utilizamos estes instrumentos pois são construídos em conjunto com diversos representantes de organizações da sociedade civil. Infelizmente, não foi possível trabalhar com todos os segmentos e temas, pois o tempo para a elaboração deste relatório foi muito reduzido. Pedimos, de antemão, a compreensão de todas e todos. Desta forma,ressaltamos que as contribuições aqui apresentadas não pretendem esgotar a problemática, mas sim servir de convite à reflexão que gostaríamos de completar
nas conferências regionais e nas Conferências Estadual e Nacional.

II. Introdução

O Programa Nacional de Direitos Humanos, seja na versão de 1996, ou na de 2002,foi um passo importante para a construção de uma política nacional de direitos humanos em nosso País. Da mesma forma, o Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo de 1997 teve a mesma relevância, inclusive por se tratar do primeiro documento desse tipo elaborado em nível estadual.

Entretanto, uma indagação que se coloca em todas as discussões, em conferências
ou não, é a seguinte: com tantas proposições referentes aos direitos humanos, seja
em nível federal, seja em nível estadual em SP, o que explica a dificuldade de implantação efetiva de um programa de direitos humanos, que dê conta das demandas históricas da população brasileira como um todo, mas especialmente daquelas e daqueles que historicamente sempre foram os marginalizados,discriminados e oprimidos no Brasil? Quais os principais obstáculos à construção efetiva dos direitos humanos da classe trabalhadora no Brasil, tanto no que concerne aos direitos sociais dos trabalhadores(as) quanto aos direitos de organização sindical? E como podemos avançar na realização de outras reivindicações históricas de nosso povo, como a reforma agrária radical sob o controle dos trabalhadores rurais, a reforma urbana que garanta moradia digna,saneamento básico e urbanização, atendimento pleno e humanizado à saúde,garantia de uma educação pública, gratuita e de qualidade a todas e todos ? Quais as estratégias que podemos adotar para que o Brasil avance de maneira efetiva na implementação de políticas afirmativas da igualdade de gênero, raça-etnia, geração, orientação sexual e identidade de gênero, condição física ou sensorial, combatendo com eficácia toda e qualquer forma de discriminação, como bem proclama o inciso IV do artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil.
Consideramos que nossa reflexão deve obrigatoriamente encarar o papel histórico
do Estado brasileiro, e as posições das diferentes classes e grupos sociais em
relação a esse Estado. Desde os tempos de colônia até o advento da República, o
Estado brasileiro sempre foi um instrumento de manutenção dos privilégios e riquezas das classes dominantes, e de feroz repressão às classes trabalhadores e ao povo pobre. Da mesma forma, nunca deixou de ter a marca da dominação branca, patriarcal, heterossexista e oligárquica, embora a partir de certos períodos históricos localizados no século XX as pressões contra esta situação tenham aumentado. Mas a solução daqueles que ocupavam – e continuam ocupando – os lugares no topo da pirâmide da sociedade brasileira sempre foi a negação de qualquer direito aos “de baixo, e o Golpe Militar de 1964 que instituiu a mais longa ditadura de nossa história é um bom exemplo disso.

Num momento em que mais e mais movimentos sociais se organizam em luta por suas demandas, e tantos espaços de debates sobre os direitos humanos são abertos, é necessário identificarmos também as limitações que as propostas dos diferentes programas de direitos humanos têm encontrado para sua implementação em função do modelo de estado que temos e das pesadas heranças históricas que carregamos.

Um ponto do qual não podemos nos afastar é o que se refere aos recursos necessários à implementação dos programas de direitos humanos. Lamentavelmente, mesmo com a promulgação do Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996 (I PNDH) e 2002 (II PNDH) a destinação de recursos orçamentários para esses programas tem sido irrisória, para não dizermos inexistente. E embora o atual Governo tenha transformado a Secretaria de Esta do de Direitos Humanos em Secretaria Especial de Direitos Humanos, ampliando seu “status” e vinculando-a diretamente à Presidência da República (antes estava subordinada ao Ministério da Justiça) a parcela do orçamento voltada tanto à SEDH quanto ao Programa Nacional de Direitos Humanos continua quase simbólica. E o
mesmo acontece no Estado de São Paulo, cujo órgão responsável pela execução do programa Estadual de Direitos Humanos é a Secretaria da Justiça e da Defesa da
Cidadania, e basta uma leitura dos PPAs de 2004/2007 e 2008/2011 para de chegar
a essa conclusão.

Inevitável também a observação sobre a inadequação das estruturas governamentais voltadas aos programas de direitos humanos, seja em âmbito federal, seja em âmbito estadual. Embora na esfera federal tenha avançado a interlocução da SEDH com os demais ministérios para a implementação de algumas políticas de direitos humanos, as resistências continuam imensas em algumas áreas (vide a questão dos arquivos da ditadura militar). E no Estado de São Paulo, quase nada se conseguiu de parceria de outras secretarias com a SJDC para a implantação do PEDH, embora já se tenham passado mais de 10 anos de sua promulgação. A truculência que ainda impera nas ações da Polícia Militar – com algumas raras exceções - junto aos segmentos historicamente vulneráveis e discriminados bem como na confrontação aos movimentos sociais organizados é uma mostra da gravidade desse problema.

Finalmente, não podemos esquecer que em 2004 o Governo Federal convocou uma Conferência Nacional de Direitos Humanos nos mesmos moldes da atual, para discutir a criação de um Sistema Nacional de Direitos Humanos. Em que pesem os inúmeros equívocos cometidos naquele processo por parte da SEDH, consideramos que parte do debate deve ser retomado, pois um sistema desse tipo poderia contribuir com algum avanço nesta área.

II.1 - Direitos Humanos em São Paulo

II.1.1 - O Programa Estadual de Direitos Humanos
O atual Programa Estadual de Direitos Humanos, de 1997, é fruto de intensa mobilização da sociedade civil, das entidades de direitos humanos, dos movimentos
sociais em torno de três elementos centrais:

a. nossa história de lutas pelos direitos humanos em São Paulo e a pujança da
elaboração teórica em torno dessa prática social;
b. as alianças que estabelecemos com os espaços institucionais conquistados dentro do Estado ao longo dessa história de lutas, em particular no Parlamento e na implementação de políticas públicas de promoção de direitos humanos;
c. a crítica ao caráter restrito e parcial do Programa Nacional de Direitos Humanos, em particular à ausência dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, bem como de menções ao combate à discriminação de segmentos expressivos, como LGBTT, por exemplo.

Intensa participação popular precedeu a 1ª Conferência Estadual de Direitos Humanos, em particular nas audiências públicas realizadas nas regiões do Estado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania e pelo Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe).

O resultado foi a incorporação de todas as dimensões dos direitos humanos omitidos
no 1º Programa Nacional de Direitos Humanos e a aprovação de 303 compromissos do Estado com a defesa e promoção dos direitos humanos que, se não continham em si todas as reivindicações da sociedade civil, era o mais completo rol de ações produzido até então para nortear a conduta do Executivo, a elaboração legislativa do Parlamento e a cobrança e mobilização da sociedade civil.

Outro aspecto positivo foi o reconhecimento, pelo Executivo, do caráter deliberativo
da Conferência, visto que, diferentemente do governo federal, o Governador Mário
Covas reconheceu na íntegra os seus resultados, editando um decreto com todos os
compromissos aprovados pela Conferência.

II.1.2 - As Conferências Estaduais de Direitos Humanos
Chegamos à VI Conferência Estadual de Direitos Humanos com um acúmulo de experiências bem sucedidas de mobilização social em torno dos debates das conferências anteriores, que produziram resoluções importantes tanto no que diz respeito à participação de São Paulo no contexto nacional quanto no monitoramento das ações previstas nos compromissos do Programa Estadual.
Entre os elementos importantes levantados por estas Conferências anteriores sobre
a execução pelo Estado dos compromissos do PEDH, destacamos:

a. a falta de mecanismos eficazes de monitoramento das ações do Programa Estadual. Sucessivas tentativas foram feitas, sob gestão de diferentes Secretários Estaduais de Justiça e Defesa da Cidadania, mas todos neles falharam, visto que a capacidade gerencial de programas capazes de viabilizar no Executivo os elementos do Programa sempre foi muito baixa, em alguns momentos nula;
b. a falta de compromisso do conjunto das Secretarias de Estado com os compromissos assumidos pelo PEDH, como se o seu conteúdo fosse responsabilidade da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania e não do Estado como um todo;
c. a falta de regionalização das políticas públicas de direitos humanos, muitas
vezes limitada a experiências piloto desenvolvidas na capital, sem capilaridade nas diversas regiões do interior do Estado, em particular nas regiões mais distantes e de menor densidade populacional, onde a presença do Estado na área de direitos humanos é altamente deficitária;
d. a falta de priorização das políticas de direitos humanos nos Orçamentos Anuais do Estado do São Paulo, nas Leis de Diretrizes Orçamentárias e nos Planos Pluri-Anuais, que ao longo dos últimos anos expressão uma visão neoliberal de Estado que reduz investimentos nas áreas sociais e de promoção de direitos, privatiza bens e serviços e concentra recursos em áreas de interesse do grande capital;
e. a falta de orçamento e de valorização pelo Executivo para as atividades do Condepe, instrumento importante criado com poderes expressivos porém limitados pela falta de recursos financeiros e cooperação do Executivo;
f. a adoção, em momentos importantes e dramáticos das crises penitenciária e de segurança pública, de discurso claramente contraditório com o PEDH por parte do Governador Geraldo Alckmin, dos Secretários de Segurança Pública e Administração Penitenciária e de outras autoridades do sistema de segurança, contribuindo para um retrocesso no compromisso do Estado com a criação de uma cultura de valorização dos direitos humanos junto à sociedade;
g. o conservadorismo da Assembléia Legislativa, que não impediu a aprovação de importantes matérias legislativas concretizando propostas do PEDH, mas impediu avanços maiores em determinadas matérias em que dezenas de projetos importantes são ignorados na pauta legislativa, bem como vetos do Governador a projetos de interesse dos movimentos de direitos humanos;
h. a postura parcial do Ministério Público do Estado de São Paulo na averiguação de fatos e violações de direitos humanos por parte de altas autoridades do Governo do Estado, ao mesmo tempo em que setores do MPE conseguiram criar e manter espaços, em particular nos Centros de Apoio Operacional e na Assessoria Especial de Direitos Humanos, que encaminharam importantes ações na defesa de programas do PEDH;
i. a total ausência do Poder Judiciário e de seu envolvimento na execução do programa, não só pela recusa em participar de todas as Conferências
Estaduais como principalmente pelo caráter elitista da relação que estabelece
com a sociedade civil e o conservadorismo de decisões sobre causas importantes, em parte afetado pela fusão ao antigo TJ com os antigos Tribunais de Alçada, que arejaram em alguns aspectos a cúpula do Poder Judiciário paulista.

II. 2 – Situações de Permanente Tensão
Entre os temas que permanecem como elementos de permanente tensão entre sociedade civil e Estado na consecução dos objetivos do PEDH, destacam-se:
a. o gigantismo dos problemas do sistema penitenciário paulista, suas mazelas cíclicas representadas pela superlotação das unidades penais, falta de oportunidades de trabalho e de educação dos presos, descumprimento da Lei de Execuções Penais, em particular no que diz respeito à progressão de regime, a continuidade de práticas de tortura em unidades penais e de violência para contenção de presos e as deficiências de acesso da sociedade civil às unidades penais para sua fiscalização;
b. o crescimento das organizações criminosas no interior das unidades penais,tolerada pelo poder Executivo e em muitas ocasiões com ele pactuado, com impactos importantes no crescimento da violência dentro e fora dos presídios;
c. a manutenção dos parâmetros ultrapassados de segurança pública por sucessivas gestões que deixaram de priorizar a integração das policias, o policiamento comunitário, a participação popular, a independência dos órgãos periciais, o caráter profissional da inteligência policial e o combate à violência, à tortura e a corrupção, preconizadas pelo PEDH como políticas capazes de alterar a permanente crise de segurança no Estado;
d. a falta de políticas claras e definitivas de adequação das instituições do Estado vinculadas à infância e a juventude aos parâmetros do ECA, que permanece ainda ignorado nas políticas de assistência à criança em situação de rua, principalmente nos centros urbanos das regiões metropolitanas, na execução das medidas sócio-educativas em meio aberto, na manutenção da estrutura arcaica da antiga FEBEM sob a nova terminologia da Fundação CASA e na falta de políticas específicas para setores expressivos da adolescência e juventude para combater a sua inserção no mundo do crime, à drogadição, ao desemprego e a falta de acesso e produção cultural;
e. a falta de uma política de assistência a vítimas da violência, expressa na
fragilidade institucional da atual Defensoria Pública – uma conquista da sociedade civil ainda não levada na devida importância pelo Executivo -, das políticas de assistência a mulheres, jovens, crianças vítimas da violência, da falta de integração das políticas do Estado com políticas inovadoras da União expressas no SINASE, no PRONASCI, na área de educação e cultura e na falta de articulação entre órgãos estaduais e políticas municipais desta área.
f. a total invisibilidade dos povos indígenas, ciganos e nômades, da população de rua, de refugiados e de migrantes, o que acarreta a ausência de políticas públicas de assistência social, de educação, de promoção de oportunidades de trabalho, de moradia e de saúde. Ressalta-se, ainda, ineficaz atuação no combate ao tráfico de mulheres e crianças para fins de exploração sexual.

III – Diagnósticos da Situação dos Direitos Humanos por Segmentos e Temas
III.1 - Segmentos Historicamente Vulneráveis
III.1.1 - Os Programas de Direitos Humanos e a população LGBT
O I PNDH de 1996 era omisso na apresentação de quaisquer propostas voltadas ao segmento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), embora o citasse na caracterização dos segmentos mais vulneráveis à violação dos direitos humanos. Essa grave lacuna foi superada no II PNDH (2002), que conta com uma série de proposições neste sentido. Entretanto, pouco se avançou na implantação de quaisquer das propostas ali elencadas, o que gerou uma forte cobrança por parte do movimento social e a consequente edição, em maio de 2004, do Programa “Brasil Sem Homofobia”. Iniciativa inédita até em nível internacional, este programa – construído em parceria com a sociedade civil - tem como novidade – além de uma ampliação das propostas e dos segmentos abrangidos, com recortes de gênero e raça/etnia – uma maior articulação com os demais ministérios, além da SEDH. É evidente que muito do que consta no referido programa ainda não saiu do papel, seja pelas limitações orçamentárias já mencionadas, seja pelas dificuldades presentes na maioria das ações interministeriais neste modelo de estado, e ainda persiste a inexistência de qualquer legislação em âmbito federal que garanta os direitos mais elementares à população LGBT bem como a ação dos poderes
públicos no combate à homofobia, especialmente a criminalização da homofobia.

No Estado de São Paulo, apesar do esforço de alguns servidores públicos da SJCD ainda é pouco significativa a atuação do Governo em favor da população LGBT. A única conquista até hoje é a Lei nº 10.948 de 2001, que pune os atos discriminatórios em razão da orientação sexual e da identidade de gênero, mas mesmo neste caso a atuação do Governo para sua efetiva implementação tem sido absolutamente insuficiente. As propostas aprovadas na I Conferência Estadual LGBT poderão ser uma boa base para que possamos avançar neste sentido.

III.1.2 Quilombolas

O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas trouxe uma significativa inovação para o direito agrário brasileiro. A novidade está não somente
na garantia da propriedade para um grupo étnico, mas na determinação de que essa ropriedade deve possibilitar a manutenção da sua cultura e da sua organização social. Nesse sentido, o cumprimento do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal (ADTC) contribui para o debate e a construção de uma política fundiária que reconheça e respeite a pluralidade de formas de ocupação do campo decorrentes da diversidade sociocultural e étnica da sociedade brasileira, reconhecida e consagrada pelos artigos 215 e 216 da Constituição.

No Estado de São Paulo existem mais de 35 comunidades quilombolas. A maioria delas, cerca de 30, está na região do Vale do Ribeira, distribuídas por diversos 10
municípios, tais como Eldorado, Iporanga e Barra do Turvo. Outras comunidades
estão localizadas no Litoral Norte, na região de Sorocaba e no município de Itapeva.
Em São Paulo, o decreto 42.839 que regulamenta o artigo 3º da Lei nº 9.757, de 15
de setembro de 1997, dispõe sobre a legitimação de posse de terras públicas estaduais aos Remanescentes das Comunidades de Quilombos, em atendimento ao artigo 68 do (ADTC). Além deste decreto, o PEDH assumiu a titulação definitiva das terras das comunidades remanescentes de quilombos como uma de suas ações, bem como o apoio a programas que propiciem o desenvolvimento econômico e social destas comunidades. Apesar disso, até maio de 2007, apenas cinco comunidades tinham recebido os títulos de suas terras: Ivaporundava, São Pedro,Pedro Cubas, Pilões e Maria Rosa, todas no Vale do Ribeira e receberam os títulos do governo do Estado de São Paulo.

Os interesses antagônicos têm exercido crescente pressão para impedir a concretização dos direitos quilombolas. O foco central dessa disputa, porém, é o território. Os quilombolas têm sido alvo de campanha discriminatória que questionou na imprensa e no legislativo a legitimidade de seus direitos. A massiva campanha “anti-quilombola” e o lobby da bancada ruralista incluiu a divulgação muitas matérias em telejornais, revistas e jornais de grande circulação, conforme registra o sítio eletrônico da organização não-governamental Koinonia. A imprensa acusou o governo federal de reconhecer comunidades como quilombolas sem critérios e extrapolar os direitos assegurados pelo artigo 68 do ADCT da Constituição Federal.

Na Justiça e no congresso Nacional grupos contrários procuram anular o decreto
4.887/2003 que regulamenta o processo de titulação das terras .

De acordo com relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2007), a
principal preocupação é a tentativa de desqualificar os grupos que se auto-definem
como quilombolas. Além da violência física, a violência contra os quilombolas
adquire um caráter eminentemente ideológico e se desenvolve em quatro frentes: 1.
Nos meios de comunicação social, perpetrando uma campanha contra o processo de auto-reconhecimento das comunidades; 2. no Parlamento, pela revogação de decreto 4.887/2003 que regulamenta o processo de titulação das terras; 3. no Judiciário, por ações de inconstitucionalidade; e 4. no Executivo, pela ausência de implementação de políticas que garantam este direito. Além disso, há pressãotambém para que o Congresso Nacional não aprove o Estatuto da Igualdade Racial que regulamenta de forma mais permanente a questão.

III.1.3 - População Negra
Em São Paulo, apesar da existência do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, das 14 metas do PEDH e das propostas presentadas e deliberadas na I Conferência Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, observam-se ainda muitos entraves para a garantia dos direitos da população negra. Os principais problemas relacionados à população negra no estado referem-se a: racismo, homicídios de jovens negros, trabalho precário e desemprego, a exclusão educacional, a intolerância religiosa contra as religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras e a violação dos direitos culturais, a nãotitulação das terras quilombolas e a situação das mulheres negras.

As discriminações contra a população negra se manifestam, cotidianamente, a) nas
imagens discriminatórias da população negra no material didático e nos meios de
comunicação; b) na falta da simbologia da cultura negra ou mesmo fotos de crianças
e da família negra em espaços públicos; c) na constante invisibilidade da história
negra nos livros escolares, apesar da promulgação da Lei Federal 10.639/03 que versa sobre a inclusão da História da África e Afro-brasileira nos currículos escolares; d) na falta do quesito de cor/raça na certidão de nascimento e prontuários de serviços de saúde; e) nos espaços do trabalho onde as marcas da discriminação ocorrem na seleção, nas competências indefinidas, na ocupação de altos cargos, na mobilidade, na hierarquia; f) nas diferenças salariais entre brancos e negros, maior ainda entre homens brancos e mulheres negras (cerca de 295%); g) nos altos índices de mortes dos jovens negros vítimas da violência policial e urbana; h) nos altos índices de mortalidade materna e nas mortes resultantes de abortos inseguros das mulheres negras.

Muito se tem discutido acerca da adoção de políticas públicas de ações afirmativas
para a população negra, tais como a adoção de cotas nas universidades públicas e
nos serviços públicos e mercado de trabalho. A busca por oportunidades de acesso
a espaços historicamente negados tem sido o principal eixo de atuação do movimento negro nas últimas três décadas. São ainda necessárias ações concretas de combate às desigualdades de oportunidades provenientes do racismo.

III.1.4 - Mulheres
O Contra-Informe da Sociedade Civil ao relatório nacional brasileiro sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher apresenta alguns
questionamentos que expõem a fragilidade da situação das mulheres no país. O texto ressalta para a persistência de muitas desigualdades, em especial às dificuldades de acesso às políticas públicas, aos bens públicos e ao bem-estar social. Desigualdades que se acentuam devido ao pertencimento étnico, geracional, regional ou socioeconômico, e dificultam o avanço das mulheres na sociedade brasileira.

Apesar da promulgação da Lei Maria da Penha, que visa coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher no país, uma em cada quatro mulheres no Brasil já foi
vítima de violência doméstica. A agressão ocorre, em geral, por pessoas próximas à
mulher (namorados, maridos, companheiros e/ou ex-parceiro). A cada 15 segundos uma mulher é impedida de sair de casa e, outra, forçada a ter relações sexuais contra sua vontade. Pesquisa do MNDH aponta que cerca de 70% das mulheres brasileiras assassinadas são vítimas no âmbito de suas relações domésticas; e 66,3% dos acusados em homicídios contra mulheres são seus parceiros.

Não há dúvidas de que a Lei Maria da Penha representa uma importante conquista
do movimento feminista e de mulheres, configurando-se em um avanço significativo
da legislação brasileira em matéria de combate à violência doméstica e familiar
contra as mulheres. Mas este avanço e os conseqüentes efeitos mobilizatórios na
sociedade e no Estado para que a Lei “Maria da Penha” seja implementada eficazmente não devem diminuir a necessidade da adoção ou da reforma de outras leis e de outras políticas públicas de combate a variadas formas de violência e de discriminação contra as mulheres.

Em São Paulo, o maior estado da federação e que, proporcionalmente, representa a
maior população feminina do país, as políticas de atendimento a mulher, em todas
as esferas da vida social, são não apenas insuficientes para atender à demanda,
como estão livres de qualquer acompanhamento e monitoramento por parte da sociedade civil, dado a total desarticulação do Conselho Estadual da Condição Feminina. Além disso, o Estado de São Paulo ainda não assinou o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

No que diz respeito às oportunidades de trabalho, um estudo do DIEESE revela que
apesar de uma diminuição na taxa de desemprego entre as mulheres da região metropolitana de São Paulo, houve uma maior oportunidade de emprego em áreas cujo predomínio é masculino. Elas ainda ocupam menos postos no mercado de trabalho que os homens e têm salários mais baixos, mesmo quando desempenham a mesma função. As mulheres conquistaram mais espaço, mas ainda não conseguiram vencer as desigualdades quanto a salários e cargos. Pesquisas mostram que as mulheres estudam mais que os homens e são responsáveis financeiramente por um número cada vez maior de lares, apesar de ganharem menos. As mulheres de baixa renda ainda não têm acesso à educação de qualidade, seja no ensino fundamental, médio ou superior, o que garantiria
condições de igualdade para se apoderarem do desenvolvimento necessário para a
eliminação dos estereótipos acarretados pela falta de conhecimento e pela pobreza.
a. Mulheres Negras As mulheres negras correspondem a 43 milhões de pessoas, o que equivale a 25% do total da população brasileira. Apesar disso, nem o PNDH e nem o PEDH propuseram metas de ação específicas para esta população, que sofre as mais
diversas violações de direitos humanos. Segundo dados do IBGE, compilados pelo
Instituto Geledés, o analfabetismo entre as mulheres negras é 3 vezes maior do que
das mulheres brancas. Do total de famílias sem rendimento, 60% são chefiadas por
mulheres negras. O desemprego atingiu 14,1% entre as mulheres negras comparado a 6,3% entre homens brancos em 2005. As meninas negras representam 75% das trabalhadoras domésticas infantis.

Os assassinatos de jovens negras correspondem a 58% dos óbitos por causas externas (homicídios, suicídios e acidentes). Na área da saúde da mulher, 44,5% das mulheres negras não tiveram acesso ao exame clínico de mamas, comparadas a 27% das mulheres brancas. Entre 2000 e 2004 a infecção pelo HIV subiu de 36% para 42,4% entre mulheres negras. Entre homens negros subiu de 33,4% para 37,2%. Entre a população branca a incidência do HIV caiu no mesmo período.

Estudo recente da Fundação Seade sobre óbitos no município de São Paulo, em 1995, revela que 40,7% das mulheres afrodescendentes morrem antes dos 50 anos. Além disso, mulheres afro-descendentes e brancas com o mesmo padrão sócioeconômico apresentam diferenças na taxa de mortalidade de seus filhos no primeiro ano de vida. A taxa de mortalidade infantil por mil nascidos em 1993 era de 37 crianças filhas de mãe branca contra 62 crianças de mãe afro-descendente. Há um agravamento da violência quando a mulher é negra. À violência de gênero soma-se a violência racial. Mulheres negras, entre 16 e 24 anos, têm, ainda, três vezes mais probabilidades de serem estupradas que as mulheres brancas. De acordo com Sueli Carneiro, diretora do Geledés - Instituto da Mulher Negra, o chamado ''estupro colonial'' ocorrido em nosso país, perpetrado pelos senhores brancos sobre mulheres negras e indígenas, é um dos pilares da democracia racial pela mestiçagem que produziu. Para ela, esse fato está na origem de todas as construções sobre a identidade nacional e das relações hierárquicas de gênero e raça presentes em nossa sociedade. “Esta tradição continua legitimando formas particulares de violências vividas pelas mulheres negras, dentre as quais se
destacam o turismo sexual e o tráfico de mulheres, situações que apresentam o corte racial como um marcador fundamental”, salienta. E perpetua “a prática, impunemente tolerada, da utilização das mulheres negras, especialmente as empregadas domésticas, como objetos sexuais destinados à iniciação sexual dos jovens patrões ou de diversão sexual dos mais velhos”.

b. Mulheres encarceradas
As mulheres encarceradas representam um grupo de total invisibilidade para as
políticas públicas e de direitos humanos. A ausência de dados sobre suas situação
é, em si, revelador, pois uma política pública se constrói a partir de indicadores. Um estudo realizado pela Pastoral Carcerária e pelo ITTC sobre a situação em que
vivem as mulheres presas do Estado de São Paulo chama a atenção para a situação
destas mulheres. A superpopulação carcerária, a falta de assistência médica, de
condições estruturais do sistema penitenciário, que respeitem as diferenças entre
homens e mulheres, estão entre os problemas apontados pela pesquisa. Segundo o
estudo, as mais recentes estatísticas da Secretaria da Administração Penitenciária,
disponíveis a partir de fevereiro de 2005, apontam para um total de 3.410 vagas no
sistema penitenciário feminino do Estado de São Paulo (regime semi-aberto,fechado e medida de segurança). A população carcerária feminina total em penitenciárias e cadeias de São Paulo era de 8.319 presas, resultando daí um déficit de 4.909 vagas.
Há um maior investimento em construções do sistema penitenciário para abrigar cadeias) enfrentem uma taxa de superpopulação de 119%. Em fevereiro de 2005,eram 4.015 mulheres vivendo em 3.372 vagas. A inauguração de 1 mil e 200 novas vagas, com a construção de duas novas penitenciárias femininas e de dois novos centros de ressocialização, não foi suficiente para abrigar 53% das presas mulheres que ainda estão detidas fora do sistema penitenciário, em cadeias públicas administradas pela polícia, sob jurisdição da Secretaria da Segurança Pública.

O estudo constatou que o direito das mulheres de serem detidas em instalações separadas por sexo é amplamente respeitado dentro do Estado de São Paulo. Mas,apesar das mulheres estarem detidas em estabelecimentos separados, as instalações não possuem estrutura adequada para elas; a vasta maioria das penitenciárias e cadeias foram "adaptadas" de penitenciárias e cadeias públicas masculinas existentes. Exemplo disso é que apenas uma das penitenciárias femininas visitadas dispunha de berçário adequado para as mulheres cuidarem de seus bebês. Há ainda impedimentos para que as mulheres recebam o cuidado necessário à saúde são: ausência de profissionais da área da saúde; falta de assistência ginecológica; escassez de medicamentos; precárias instalações de assistência à saúde; e falta de pessoal para a assistência especializada.

A violência contra as mulheres presas começa já no momento da detenção e continua no dia-a-dia da cadeia; com maus-tratos relacionados a procedimentos de revista dentro da prisão - ou seja, durante situações de inspeção, regulares ou não, as policiais adentram as prisões e cadeias para proceder buscas de equipamentos, drogas ou armas. As mulheres que ocupam celas individuas, além do castigo de ficarem isoladas, são particularmente vulneráveis a abuso.

III.1.5 – Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais1
Em muitas regiões do país, o aumento da produção de etanol tem causado a expulsão de camponeses de suas terras e gerado dependência da chamada “economia da cana”, onde existem somente empregos precários nos canaviais. O monopólio da terra pelos usineiros impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Esse padrão de exploração tem causado sérios problemas de saúde e até a morte de trabalhadores e trabalhadoras. No estado de São Paulo, entre 2005 e 2006, o Serviço Pastoral dos Migrantes registrou 1 Este item foi reproduzido a partir do Relatório de Direitos Humanos 2007 da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 17 mortes de trabalhadores(as) migrantes no corte da cana. Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do estado. Em 2005, a Delegacia Regional do Trabalho registrou 416 mortes nas usinas do estado, maioria por acidentes de trabalho ou em conseqüência de doenças como parada cardíaca, câncer, além de casos de trabalhadores carbonizados durante as queimadas. O Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho, estima que 1.383 canavieiros tenham morrido em situação semelhante entre 2002 e 2006.

Em agosto de 2007, procuradores da região de Bauru flagraram um esquema de fraude de documentos de trabalhadores(as) rurais a partir de uma empresa de fachada. O “kit fraude” continha documentos em branco, que as empresas forçavam os trabalhadores(as) a assinar para serem contratados(as), além de documentação irregular, como: pedido de demissão, termos de rescisão de contrato de trabalho, registro de trabalho, recibos de fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), contrato de experiência, prorrogação de contrato de experiência, contrato de safra (período da colheita) e contrato por prazo determinado, todos assinados em branco pelos trabalhadores.

O município de Mineiros do Tietê, no interior paulista, teve, por determinação
judicial, suspensão do corte de cana até a regularização, por parte das usinas, da
situação dos trabalhadores(as). Em praticamente todas as investigações realizadas
nas usinas de São Paulo foram constatadas violações de leis trabalhistas. Dados do Serviço Pastoral do Migrante dão conta de diversas mortes por exaustão nos canaviais paulistas. As mortes são ocasionadas pela carga de trabalho: mais de 10 mil golpes de facão por dia para cortar, pelo menos, as 10 toneladas médias de cana. Mas também há casos de acidentes e mortes de trabalhadores(as) nos canaviais em conseqüência de doenças e acidentes de trabalho. Em apenas um ano, foram registradas pela Delegacia Regional do Trabalho 416 mortes em usinas de cana de açúcar, em São Paulo.

III.1.6 - Trabalhadores Urbanos

O trabalho é direito fundamental do ser humano. Segundo o DIEESE/SEADE, o desemprego na região metropolitana de São Paulo é da ordem de 14% da População Economicamente Ativa, ou seja, atingindo cerca de um milhão e meio de pessoas. Enquanto há desemprego por um lado, por outro lado os trabalhos continuam deteriorados, com menos da metade dos ocupados possuindo carteira assinada.

A realidade para os que possuem empregos formais também está longe de rósea,
pois tem havido aumento da jornada de trabalho, através de bancos de horas e
teletrabalho, e intensificação nunca antes vista nos ritmos de trabalho.
No ambiente das fábricas e empresas são comuns situações de assédio moral, de
lesões por esforços repetitivos, acidentes e intoxicações. Os trabalhadores se
queixam de falta de reconhecimento por peritos do INSS, que rejeitam os laudos
médicos levados pelos trabalhadores, não permitem a presença de acompanhante
do sindicato ou médico particular durante a perícia e frequentemente se recusam a
reconhecer as doenças ocupacionais e suas gravidades, não provendo ao trabalhador o benefício correto ou sua justa prorrogação. São Paulo, por concentrar muitas indústrias e rede de serviços, sofre sobremaneira com esses problemas.

III.1.7 - Crianças e Adolescentes
A Constituição Federal de 1988 foi marcada pela ruptura do marco legal, que tratava
da infanto-adolescência com o olhar menorista (segregacionista), para o direito
pleno das crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente, que
teve sua base legal nos Pactos e Tratados Internacionais dos quais o país foi
signatário, principalmente da Convenção Internacional do Direito da Criança e do
Adolescente de 1989, que trás todo o acumulo de idéias produzidas pela comunidade internacional, torna-se um dos instrumentos legais mais importante do país. A lei trás, em seu seio, toda a estrutura que possibilita a garantia de direitos
dos meninos e meninas do país; promove a sociedade a ator importante no processo de construção, controle da efetivação da política; e ainda cria um órgão (Conselho Tutelar) que deve zelar para que os direitos das crianças e adolescentes não sejam violados, ou, se o forem, o órgão possa atuar rapidamente, a fim de interromper a violação.

O PNDH definiu uma série de metas (a longo, médio e curto prazo) para garantir a
efetivação desses direitos, mas muito pouco se avançou. Dados o censo do IBGE
(2000) levantou que existiam 60 milhões de crianças e adolescentes entre 0 a 17
anos, representando 36% da população brasileira. Desse universo, indicou que 45%
viviam em famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo. O mesmo
censo indicou que as principais formas de exploração do trabalho infantil são
18
relacionadas à violência sexual, ao tráfico de drogas, ao narcoplantio e aos lixões.
De acordo com o UNICEF, em 2003 existiam, no Brasil, 29 milhões de pessoas vivendo em famílias com renda até meio salário mínimo, um milhão de crianças entre 07 a 14 anos fora da escola; 1,9 milhões de jovens analfabetos; 2,9 milhões de
crianças entre 05 e 14 anos trabalhando. Destas, 220 mil com até 14 anos são
empregadas domésticas e 45 mil expostas nos lixões.

No Estado de São Paulo, o PEDH definiu 22 metas de ação para crianças e
adolescentes, mas sua situação se altera de forma muito lenta, e que o quadro
sócio-econômico negativo sempre recai sobre esse segmento da população. O
estado mais rico da federação insiste em desrespeitar o Estatuto da Criança e do
Adolescente de forma recorrente, não apresentando nenhuma política que responda
a situação de exclusão dos meninos e meninas e ainda por cima atuando para agravar ainda mais essa situação. O Conselho Estadual dos Direitos da Criança sofreu nos últimos seis anos forte investida do governo estadual no que diz respeito à participação da sociedade civil, o que fere um direito civil, participando através de entidades que prestam serviço ao governo do estado ou que se utilize de recursos
do Fundo Estadual dos Direitos da Criança em beneficio próprio, sem que responda
pelo conjunto da política, o que acaba agravando ainda mais o processo de exclusão
de crianças e adolescentes.

O extermínio e a criminalização de adolescentes e jovens têm sido uma constante
no estado de São Paulo, segundo IBGE, UNICEF e Organização dos Estados Ibero-
Americanos para a Educação. O Mapa da Violência de 2006, apresenta que o estado de São Paulo é 9º estado da federação em que há mais morte violentas entre adolescentes e jovens na faixa de 15 a 24 anos, com a média de 56,4 por mil habitantes, ficando acima da média nacional de 51,7 que já é alta.
Há, ainda, a situação da criminalização da adolescência, pois, segundo dados da
SEDH, mais de 40% dos adolescentes internados no país encontra-se no estado de
São Paulo. A solução apontada pelo governo do estado no último período foi a
mudança do nome da instituição de atendimento e a privatização do atendimento,
estabelecendo parcerias com entidades sociais, o que não resolveu a situação dos
adolescentes internados, permanecendo a política de tortura praticada na instituição
contra os jovens internados, só no ano de 2008, já foram assassinados dois
adolescentes na instituição.

III.2. Os temas de permanente tensão
III.2.1 – Segurança Pública
A segurança pública é um direito de todos e um dever do Estado. Este direito está
reconhecido na Declaração Universal de Direitos Humanos, na Constituição Federal
e teve relevante destaque nos Programas Nacional e Estadual de Direitos Humanos.
No entanto, a realidade mostra que esse direito ainda não foi devidamente oncretizado, pois as políticas públicas de segurança, vigentes em nosso país, não
são eficazes para enfrentar o problema, pois se pautam prioritariamente em medidas
repressivas, atuando, portanto, após a ocorrência do fato.
Apesar de uma diminuição do número de homicídios entre a população em geral,assistimos a um acréscimo do número de mortes provocados por forças policiais. No ano de 2007, foram mortas, em ocorrências policiais no estado de São Paulo,classificadas como resistência seguida de morte, 506 pessoas, segundo os dados
da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
No ano de 2007, foram registradas em São Paulo 28 chacinas, resultando na morte
de 113 pessoas e 52 casos de execução, com 77 vítimas. Tais episódios de extrema
violência resultaram na morte de pelo menos 339 pessoas, segundo dados do
relatório da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Investigações preliminares
apontam a participação de membros das forças de segurança (policiais civis e
militares e, em alguns casos, guardas civis metropolitanos).
É importante ressaltar que tanto as mortes provocadas pela polícia quanto os homicídios decorrentes de grupos de extermínio concentram-se em determinadas áreas das cidades que apresentam, também, outras concentrações de violações de direitos – ausência de saúde, educação, lazer, cultura, etc. Além da concentração de área, os homicídios atingem a uma faixa etária específica: são os jovens de 15 a 24 anos, a sua maioria negros, as maiores vítimas das mortes violentas. A taxa de homicídio entre a população dessa faixa etária é, em média, três vezes maior do que entre os não-jovens (zero a 14 anos e acima de 24 anos).
Um outro dado importante para a reflexão é o da diferença de tratamento, tanto na
fase policial e judicial, destes casos. Em episódios recentes, vimos que crimes
envolvendo pessoas de maior renda são devidamente investigados, merecem atenção da imprensa e rápida resposta dos três poderes. Já nos casos em que morrem pobres não há a mesma preocupação em se estabelecer a autoria do crime e a devida persecução penal do mesmo. Se a segurança é um direito humano, ela deve ser universal.
III.2.1 – Racismo2
a - O genocídio da juventude negra
A discriminação e o preconceito racial vêm afetando de forma especialmente cruel à
população afrodescendente jovem. Nesse caso, ressalta-se à precocidade do
ingresso no mercado de trabalho, as elevadas taxas de desemprego encontradas
junto à população entre 18 e 25 anos, as precárias condições de ensino encontradas
nos colégios públicos de primeiro e segundo grau. as práticas preconceituosas e
discriminatórias presentes em sala de aula e nos livros didáticos as dificuldades de
acesso às universidades, entre outros dilemas. Outra situação especialmente
dramática enfrentada pela população jovem, especialmente a negra, nos dias atuais
reporta-se ao crescimento do narcotráfico e da violência urbana.Deste modo, segundo indicadores levantados por Gláucio Soares e Doriam Borges,no ano 2000, a taxa de homicídio de homens negros, solteiros e com idade entre 20 e 24 anos era de 137,8 por cem mil. À guisa de comparação, este indicador entre as mulheres brancas, casadas e com mais de 60 anos era de 1,5 por cem mil.
O pesquisador Marcelo Paixão e equipe, baseados em dados do SIM/DATASUS,verificaram que, no triênio 1998-2000, do total de óbitos registrados no Brasil na faixa entre os 15 e os 25 anos, entre os brancos, 78,7% foram causados por causas externas sendo que, do total de óbitos registrados, 38,1% ocorreram motivados por homicídios (67,7% por armas de fogo) e 21,2% ocorreram derivados de acidentes de transporte. Entre os negros, na mesma faixa etária, do total de óbitos registrados,82,2% havia sido causado por causas externas, sendo que, do total de eventos fatais registrados, 51,1% foram causados por homicídios (73% por armas de fogo) e 11,1% por acidentes de transporte. Vale salientar que, neste mesmo triênio, na região Sudeste, do total de óbitos registrados na faixa entre os 15 e os 25 anos,entre os brancos o percentual de eventos fatais causados por homicídios foi de 45%e, entre os negros o percentual de eventos fatais causados por homicídios foi de 61%.
2 Diagnóstico extraído de documento elaborado por um conjunto de organizações do movimento negro brasileiro, encaminhado ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22 de Novembro de 2005, pela “Zumbi + 10 – II Marcha contra o Racismo pela Igualdade e a Vida”.

Na verdade, este cenário acaba sendo um ponto de deságüe de condições de vida globalmente precária deste contingente. Segundo indicadores levantados pelo DIEESE, na região metropolitana de São Paulo, em 1998, a taxa de desemprego dos jovens negros entre 10 e 17 anos e, entre 18 e 24 anos, era respectivamente de 49,5% e 29,3%. Entre os jovens brancos, este percentual, naquelas mesmas faixas etárias, era, correspondentemente, de 45,7% e 23,7%. Nesta mesma região metropolitana, em 1998, entre os jovens negros de 10 a 14 anos e, entre 15 a 17 anos, o percentual daqueles que somente estudavam era, respectivamente de 86,5% e de 37,5%, ao passo que entre os jovens brancos, destas mesmas respectivas faixas etárias que somente estudavam era de 91,3% e 47%.
O cenário de violência, acaba produzindo um aumento da criminalização da população jovem, especialmente à negra. Um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência, da USP, revelou que dos internos da FEBEM no estado de São Paulo, entre 1993-96, 62,3% eram brancos e 37% eram negros. Apesar destes dados evidenciarem um maior percentual de brancos, vale salientar que nesta unidade da federação a composição racial era: 77,3% de brancos e 21,7% de negros. Ou seja, do ponto de vista proporcional os negros se faziam presentes na população jovem infratora em um percentual significativamente maior que sua presença na população como um todo.
Este cenário que combina: sistema educacional precário, desemprego, falta de perspectivas de uma vida digna no futuro, tráfico de drogas e armas, predomínio de
gangues armadas, confinamento nos morros, favelas e periferias, torna os jovens
negros a principal vítima da pandemia da violência que tomou conta das grandes
cidades brasileiras. Movimentos de jovens negros da periferia das grandes cidades,
tais como o hip-hop e os grupos de rappers, já vêm, desde algum tempo,denunciando cabalmente o cenário de massacre, de tipo genocida, que estas populações vêm sendo submetida, impedindo que estes assuntos sejam do desconhecimento público. Neste sentido, a complacência do Estado e da sociedade civil brasileira no que tange este quadro torna a todos potencialmente cúmplices desta roleta macabra.
b. Desigualdade Racial e Segurança Pública O artigo 3º, IV, da Constituição Federal afirma que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O artigo 4º, VIII, versando sobre as relações internacionais repudia o terrorismo e o racismo. O artigo 5º, XLI, afirma que “a lei punirá qualquer discriminação atentória dos direitos e liberdades individuais” e o mesmo artigo 5º,XLII, assegura que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,sujeito à pena de reclusão termos da lei”. O artigo 7º, XXX, proíbe “qualquer discriminação no tocante a salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. Por fim, o artigo nº 227 afirma ser dever da família, do Estado e da sociedade assegurar à criança e ao adolescente à proteção de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão. A Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989, a Lei Caó,passou a definir os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor,regulamentando o artigo 5º, XLI, da Constituição de 1988, que tratava do tema. A Lei nº 9.459, de 13 de Maio de 1997, entre outros temas, trata do crime de racismo por injúria.
Apesar da existência deste importante arcabouço legal, cabe salientar a intenção do
legislador ainda encontra-se distante da realidade vigente. Assim, atualmente,
percebe-se uma evidente dificuldade do poder judiciário no sentido de efetivamente
punir os praticantes de atos criminosos de tipo racista. Assim, até o ano de 2001,
somente em São Paulo, das 546 ocorrências policiais ocorridas naquele estado, 422
se transformaram em inquéritos e apenas 19 (3% do total de ocorrências)
efetivamente acabaram virando processos judiciais.
Resultados de pesquisas recentes vêm demonstrando que a ação do aparato policial
é nitidamente orientado segundo um viés racial. Assim, um levantamento feito pelo
CESEC/UCAM, coordenado por Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, no ano de 2003, na cidade do Rio de Janeiro, intitulada “Abordagem Policial e Percepções da Discriminação na Cidade do Rio”, mostrou que 55% dos pretos e 39% dos pardos já
haviam sido revistados pela polícia. Este percentual entre os brancos caia para 33%.
A população carcerária brasileira é formada com mais intensidade por pessoas
negras. Muito embora não existam dados nacionais consolidados a este respeito,
segundo indicadores levantados pelo sociólogo Ignácio Cano, baseado em dados do
Censo 2000, da população carcerária masculina do Rio de Janeiro, pelo menos 55%
dos apenados eram negros. Na cidade de São Paulo, em 1997, os negros, em 23
constituindo 27,8% da população paulistana, formavam 44,8% do total da população
carcerária daquela cidade.
A prática da tortura no Brasil sempre foi uma constante, a rigor vindo originada no
período colonial, quando os escravizados eram permanentemente castigados pelos
seus escravizadores. Tais práticas vieram se atualizando ao longo do século XX,
tendo se sofisticado nas ditaduras do Estado Novo e do Regime Militar, quando às
antigas técnicas de tortura (especialmente os espancamentos e à imobilização
forçada), foram somados novos métodos como os dos choques elétricos, o pau-dearara
e os afogamentos. Do mesmo modo, acompanhando a enorme diversidade de nosso país, a tortura muitas vezes é realizada acompanhando variações regionais.
Assim, em matéria publicada pelo repórter Mario Magalhães no Jornal Folha de São
Paulo (14 de Maio de 2000), em Alagoas a tortura envolvia a “borracha” (câmara de
ar de pneus enrolada na cabeça para asfixiar), o “tonel” (afogamento, também feito
em tanques), o espancamento com socos e pontapés e o espancamento com vários
instrumentos. No Distrito Federal e em Goiás, as formas mais freqüentes de verdugo
incluíam à “pica de boi” (membro do animal seco usado como chicote), o choque
elétrico, a asfixia com sacos plásticos e o uso da palmatória (golpes referencialmente na sola dos pés). Nesta reportagem também foram relatadas
formas específicas de torturas no Pará, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no
Rio de Janeiro.
Na verdade, infelizmente, o fim do regime militar acabou se traduzindo no fim destes
expedientes apenas contra os presos políticos, em geral pessoas de classe média e
alta. Para os prisioneiros comuns - condenados, em processo de julgamento ou
mesmo presos por engano -, tais práticas se mantiveram. Isto apesar da Lei nº
9.455, de 7/4/1997, que define os crimes de tortura no Brasil. Entre os anos de 1998
e 1999, as Ouvidorias de Polícia de cinco estados brasileiros receberam 233
denúncias de torturas policiais. Em 2001, uma parceria da Secretaria Nacional de
Direitos Humanos e o Movimento Nacional de Direitos Humanos lançou uma campanha nacional de combate à tortura – SOS Tortura. Entre outubro de 2001 e outubro de 2002, 1.345 casos foram delatados, sendo que destes 300 foram encaminhados ao Ministério Público. Todavia, somente uma franca minoria de denúncias seguiram adiante rumo à punição dos culpados, denotando uma evidente cultura de impunidade institucional a este respeito.

Ao longo dos últimos vinte anos foi ocorrendo um progressivo aumento no número de assassinatos em nosso país. Assim, de uma média de 25 mil homicídios nos anos 1980, atualmente, na primeira década do século XXI, nosso país assiste a uma média de mais de 45 mil assassinatos por ano. Segundo indicadores levantados por Gláucio Soares e Doriam Borges, baseados em dados do SIM/DATASUS, as taxas de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil em 2000, eram pronunciadamente desiguais em termos de gênero e de raça: homens negros, 56,7 por 100 mil habitantes. homens brancos, 36,7 por 100 mil habitantes, mulheres negras 4,4 por 100 mil habitantes e, mulheres brancas, 3,6 por 100 mil habitantes.
O problema da violência que aflige a população brasileira, infelizmente, acaba
recebendo um grande impulso do aparato policial, justamente aquela instituição que
justamente deveria proteger nossa população. A este respeito os dados referentes à
postura do aparato de segurança pública junto à população pobre e negra são simplesmente aterrorizadores. De acordo com indicadores da Ouvidoria das Polícias
Civil e Militar do Estado de São Paulo, entre 1990 e 1999, as polícias destes estados
mataram 6.672 civis, o que dá uma média de 667,2 pessoas por ano, ou 1,82 pessoas por dia. Um outro estudo realizado por esta mesma Ouvidoria, no ano de 1999, revelou que de 236 mortos pelas polícias neste período, 51,7% não tinham passagem pela polícia, 56% eram inocentes ou no máximo suspeitas, 51% foram mortas pelas costas, 45,9% tinham entre 18 e 25 anos e 43,5% dos casos de homicídios cometidos por policiais não foram testemunhados. No Rio de Janeiro, o quadro não é muito melhor. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, entre 1998 e 2003, as Polícias Civil e Militar protocolaram 4.272 autos de resistência (quando presumivelmente o criminoso morre ao reagir à voz de prisão), constituindo uma média de 1,95 pessoas assassinadas por dia pelas polícias cariocas e fluminenses.
Existe um nítido viés racial no que diz respeito à ação letal do aparato policial no
Brasil. Segundo indicadores levantados por Ignácio Cano, na cidade do Rio de Janeiro, entre 1993 e 1996, 70,2% dos mortos pela polícia eram negros. Vale salientar que na cidade do Rio de Janeiro, os brancos formam cerca de 60% da população. Nesta cidade, neste mesmo período, das pessoas feridas em confronto com a polícia, 56,4% eram negras. Outro dado relevante produzido por este sociólogo diz respeito às clivagens raciais dos resultantes dos conflitos ocorridos em zonas de favelas. Naquele mesmo lapso de tempo, das 513 vítimas geradas em confrontos com a polícia, 17,8% das pessoas brancas ficaram feridas e 82,2% foram mortas. Entre os negros favelados em confronto com a polícia, o percentual de feridos foi de 10% e o percentual de mortos foi de 90%. Também na cidade de São Paulo, de acordo com o mesmo sociólogo, pôde-se perceber um viés racial na ação letal da polícia: em formando 27,83% da população paulistana, os negros formavam 43% da população assassinada por policiais.
III.2.3 A questão agrária
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre os conflitos no campo revelam
que “(...) Apesar de em 2006 ter diminuído o número total de incidências de conflitos
no campo, outros indicativos apontam a repressão sobre o trabalhador do campo. O
número de assassinatos aumentou de 38 para 39 mortes. No mesmo sentido,também cresceram as tentativas de assassinato de trabalhadores, com um aumento de 176% em relação a 2005. Foram registradas 72 tentativas em 2006, contra 26 do ano anterior”. A violação de direitos humanos no campo tem, como principal fator, o modelo do agronegócio e a expansão da fronteira agrícola. Na análise do assessor da CPT-Paraná, apresentada pelo relatório da CPT, “A violação de direitos trabalhistas, como o trabalho escravo, está conectada com a expansão do agronegócio, e esta provoca o desgaste do meio-ambiente.”. No ano de 2006, cerca de 20% dos conflitos por terra envolveram as comunidades tradicionais, indígenas,quilombolas, ribeirinhos e outros.
Não obstante dispositivo constitucional que assegura o trabalho como um dos direitos sociais dos trabalhadores, a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica e social, e as desapropriações de terras para fins de reforma agrária das propriedades rurais que não cumprem sua função social, hoje no estado de São Paulo milhares de famílias de trabalhadores rurais sem terra encontram-se acampadas as margens das estradas por todo o Estado. É pública e notória a situação fundiária da região do Pontal do Paranapanema, oeste do Estado de São Paulo, onde as terras são predominantemente Públicas ou devolutas, e o Governo do Estado há anos vem protelando o processo de arrecadação das terras públicas para assentamento de famílias de trabalhadores rurais.
Os principais casos de violações de direitos humanos contra trabalhadores rurais no
Estado ocorrem na região do Pontal do Paranapanema. Segundo o advogado Patrick Mariano Gomes, "a partir de 2002, desencadeou-se na Comarca de Teodoro Sampaio, a maior estratégia de criminalização contra movimentos sociais no País.
Um grupo de promotores da região, visando enquadrar juridicamente as ações de
reivindicações de reforma agrária do MST, elaborou dezenas de denúncias criminais
contra lavradores integrantes do movimento". Estas violações decorrem da reação
dos latifúndios contra a popularidade que o MST ganhou na região, principalmente a
partir de 1990. O advogado Marcos Rogério de Souza revela que entre 1990 e 1999,
94 assentamentos rurais foram implantados e 6.066 famílias assentadas, graças à
organização do MST.
Tramita na Assembléia Legislativa, um Projeto de Lei Estadual nº 578/07 proposto
pelo governo do estado de São Paulo à Assembléia Legislativa, que visa regularizar
a situação fundiária no Pontal do Paranapanema, em favor dos Grileiros.A desigualdade social é gritante e não é por acaso que no ranking das regiões mais pobres do estado de São Paulo, o Pontal ocupa lugar de destaque. Isso não se dá apenas com as conseqüências históricas da grilagem de terras, do desmatamento desmedido das reservas naturais, e da má distribuição de renda, se dá principalmente pela atuação questionável dos governantes de nosso estado. Até hoje, todas as medidas tomadas pelo governo com a promessa de desenvolvimento da região geraram apenas mais exclusão.
A Constituição Federal de 1988 dispõe que as terras públicas serão prioritariamente
destinadas ao programa de reforma agrária, mas, na prática, centenas de hectares
de terras públicas no estado de São Paulo estão sendo subutilizadas, arrendadas
para grandes produtores ou, simplesmente, invadidas por grandes produtores rurais.
Prisões preventivas sem base legal são a principal forma de repressão ao MST no
Pontal do Paranapanema. Geralmente, o argumento utilizado para essas decisões é
a suposta garantia da ordem pública, sendo os trabalhadores acusados de formação
de bando ou quadrilha por organizarem manifestações e acampamentos reivindicando reforma agrária.
Além da violação dos direitos humanos pela omissão do estado no cumprimento das
normas constitucionais acima citadas, o governo paulista vem adotando uma postura
de extrema violência, atentando contra a integridade física e a liberdade dos
trabalhadores que se aglutinam em movimentos sociais. Exemplo desta postura violenta do governo paulista está na atuação do aparelho policial do estado nas últimas ações como: a repressão aos trabalhadores que participaram da manifestação no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que além das agressões físicas instaurou inquérito contra os trabalhadores, e a reintegração de Posse do Horto Tatu, em Limeira, que foi o despejo mais violento nos últimos 15anos no estado de São Paulo, com dezenas de trabalhadores feridos e moradias e plantações destruídas.
Outro aspecto desta violação dos direitos humanos, por parte do Estado, é o processo em curso de criminalização dos movimentos sociais, todas as manifestações políticas dos trabalhadores, por mais pacíficas que sejam, acabam culminando na instauração de inquéritos policiais e não raro em processos criminais contra lideranças dos movimentos, muitas vezes daqueles que sequer participaram das mobilizações.
A violência no campo é estrutural. Está intimamente ligada à concentração da terra.
E a reforma agrária, que seria um instrumento eficaz para democratizar o acesso à
propriedade não parece ser, de forma alguma, prioridade dos governos atuais.

III.2.3.4 - A questão ambiental
Todos deveriam ter direito a um meio-ambiente saudável. No entanto, o Estado de
São Paulo convive com a poluição do ar, da água, do solo e das pessoas.A poluição do ar por ozônio voltou a crescer em 2007 após anos em queda. Em que pese a realização de obras de ampliação da rede do metrô e o rodoanel que previne a entrada de caminhões na capital, o automóvel ainda é incentivado como o meio de transporte privilegiado. Pouco ou nenhum investimento é feito em ciclovias. Em 2007, o padrão diário foi ultrapassado 64 vezes no Estado para materiais particulados (Santa Gertrudes, Piracicaba, Ibirapuera, São Bernardo do Campo, Taboão da Serra e Cubatão) e o padrão anual foi ultrapassado em Limeira, Ribeirão Preto, Cubatão e São Bernardo do Campo. Para partículas totais em suspensão houve ultrapassagens em Cubatão, Osasco e São Bernardo do Campo. Na capital foi detectado excesso de partículas finas. Houve ultrapassagens dos padrões diários de fumaça em Santos e na Capital. O padrão de dióxido de nitrogênio foi ultrapassado na capital e o de monóxido de carbono na capital, em Taboão da Serra e em São Caetano do Sul.
Os rios e os corpos d’água subterrâneos continuam contaminados. As obras no rio
Tietê não dão conta de resolver o problema estrutural que é a não universalização
do saneamento básico. O rio Atibaia recebe dejetos industriais. Fábricas e postos de
gasolina produzem contaminação do solo, com infiltração para os lençóis freáticos.
O índice de qualidade da água para consumo público esteve péssimo em parte do ano em 7 das 22 regiões em que o Estado é dividido para estes fins e esteve ruim em 11 delas em parte do ano. A monocultura de cana consome muita água.
Consumo humano e para o pequeno produtor deve ser sempre priorizada em relação à destinação para o “hidronegócio”.
Em novembro de 2007, a CETESB divulgou seu cadastro de 2272 áreas contaminadas no Estado, além de reconhecer que muitas mais podem não ter sido ainda descobertas. Apenas 884 das áreas estão em algum estágio de remediação, sendo que boa parte delas está ainda em estudos preliminares. Apenas 94 áreas são consideradas remediadas pelo órgão oficial. Casos de fama internacional arrastam-se por anos sem solução definitiva, como os lixões clandestinos da Rhodia na baixada santista, a contaminação radioativa da nuclemon em Interlagos na capital, o aterro Mantovani na região de Campinas e o problema no condomínio Barão de Mauá no ABC.
A coleta seletiva e reciclagem do lixo ainda não é realidade na maior parte do Estado, havendo casos de despejo em lixões ou em chamados aterros-sanitários assemelhados na prática a lixões.
O uso de agrotóxicos contamina os alimentos e sobretudo os trabalhadores rurais. A
expansão da monocultura de cana vem produzindo redução da biodiversidade e as queimadas ainda não estão erradicadas no Estado.
Trabalhadores contaminados ainda não têm seus direitos reconhecidos, como se vê
no exemplo da luta dos trabalhadores contaminados pela Shell/Cyanamid/Basf em
Paulínia desde 2001 e dos mercuriados na grande São Paulo e em outras regiões,para citarmos apenas alguns exemplos.
O MAB vem se opondo à criação de hidrelétricas no Vale do Ribeira. A preservação
das matas requer sempre atenção permanente e projetos de “reflorestamento”devem ser analisados criticamente, pois muitas vezes trazem pouca biodiversidade.

III.2.5 Liberdade de crença e religião
A discriminação por motivos religiosos tem como alvo diversas minorias: afrodescendentes,budistas, judeus, muçulmanos, indígenas, ateus e agnósticos, entre
outros. O Estado brasileiro, que é constitucionalmente laico, tem o dever de garantir
a liberdade religiosa, um dos direitos fundamentais da humanidade, como afirma a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. De acordo com o artigo 5o, inciso VI, da Constituição: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."Em relação ao combate à intolerância religiosa, percebe-se alguns avanços, como a a publicação da "Cartilha da Diversidade Religiosa e de Direitos Humanos", editada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos- SEDH. No estado de São Paulo, há iniciativas governamentais de diálogo com a participação sociedade civil, em diversos fóruns e conselhos, entre eles: o Fórum Inter-religioso por uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença e o ConPAZ – Conselho Parlamentar para a Cultura de Paz da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Além disso, destaca-se, no âmbito governamental, a criação da DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos da Intolerância, na capital, estão entre os mais importantes. Todos estes instrumentos, no então, estão ainda aquém de resolver o problema e precisam ser aprimorados e, suas ações, acompanhadas pela sociedade civil.
É conhecido o papel da mídia na difusão de estereótipos que estimulam o preconceito, o racismo e a intolerância religiosa. Há também denominações religiosas que utilizam esta ferramenta poderosa, em especial a televisão, para "demonizar" outras religiões, ateus e agnósticos. É preciso uma ação eficaz do Estado, no sentido de punir estas ações, e da sociedade civil monitorando e denunciando e tais ações.
Em termos de preconceito, as religiões de matriz africana e comunidades de terreiro,
os judeus e outros grupos convivem há longo tempo com a difusão de uma imagem
negativa pelos meios de comunicação, baseada em estereótipos e têm reagido através dos meios legais contra tal comportamento. São visitadas, rotineiramente por 150 mil brasileiros, mais de 12 mil páginas da internet, de caráter neonazista,que pregam a supremacia da “raça” branca, negando o holocausto e incitando o ódio contra judeus, homossexuais, negros e nordestinos.
A intolerância religiosa está também relacionada a manifestações racistas, tal qual
pode ser observado em ataques anti-semitas promovidos em diversas regiões do estado de São Paulo. Uma onda de pichações atingiu cinco locais do município de Várzea Paulista, com ataques aos negros, judeus, nordestinos e homossexuais; no mesmo período as cidades de Jundiaí e Campo Limpo foram alvo de agressões semelhantes. Em Santo André, supostos neonazistas picharam a Sinagoga de Santo André, no ABC Paulista, com suásticas e frases contra os judeus. Essa realidade de crimes de intolerância religiosa tem os templos judaicos, templos de religião de matriz africana e afro-brasileira como alvo.
III.2.6 - Estado laico
Estados laicos são aqueles que não necessitam da religião para fundamentar sua
legitimidade. Uma das conseqüências importantes dessa laicidade é a separação entre Estado e Igreja, que deve funcionar nos dois sentidos: tanto impedindo o Estado de limitar ou conduzir a iniciativa religiosa, como evitando que as ações do Estado sejam guiadas ou tuteladas por critérios religiosos.
Assim, "o Estado torna-se imparcial em matéria de religião, seja nos conflitos ou nas
alianças entre as crenças religiosas, seja na atuação dos não crentes. O Estado laico respeita, então, todas as crenças religiosas, desde que não atentem contra a ordem pública, assim como a não crença religiosa. Ele não apóia nem dificulta a difusão das idéias religiosas nem das idéias contrárias à religião. (...) a moral coletiva, particularmente a que é sancionada pelas leis, deixa de ter caráter sagrado,isto é, deixa de ser tutelada pela religião, passando a ser definida no âmbito da soberania popular. Isso quer dizer que as leis, inclusive as que têm implicações éticas ou morais, são elaboradas com a participação de todos – dos crentes e dos não crentes, enquanto cidadãos. O Estado laico não pode admitir imposições de instituições religiosas, para que tal ou qual lei seja aprovada ou vetada, nem que alguma política pública seja mudada por causa dos valores religiosos. Mas, ao mesmo tempo, o Estado laico não pode desconhecer que os religiosos de todas as crenças têm o direito de influenciar a ordem política, fazendo valer, tanto quanto os não crentes, sua própria versão sobre o que é melhor para toda a sociedade."(Observatório da laicidade do Estado, http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole/conceituacao3.html).

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